Voltar a pisar em um tatame

APA

Há pouco mais de um mês e meio o dojo em que pratico aikido decidiu que era hora de retomar alguns treinos presenciais, diante da flexibilidade do isolamento aprovado pelos órgãos governamentais. Talvez não tenha sido uma decisão fácil, afinal estamos todos receosos, com medo de um “fantasma”, um vírus invisível que não sabemos onde está ou quando pode nos contaminar.

Um protocolo de retorno foi minuciosamente preparado para receber os alunos, bem como um vídeo explicativo de como deveríamos seguir os novos procedimentos para os treinos, que seriam, a princípio, individuais, sem contato, mantendo o distanciamento obrigatório e utilizando máscaras. Diante do que assisti, me senti segura em retornar ao tatame.

(que fique claro: este post não é para convencer ninguém a fazer nada que não queira ou que não possa neste momento. Serve apenas para relatar a minha experiência de pisar novamente em um tatame e do quanto senti falta dos treinos. Cada um sabe das suas dificuldades em poder ou não retomar suas atividades anteriores, e voltar ou não a treinar presencialmente. Respeito tudo isso e tenho a esperança de que logo poderemos nos encontrar novamente).

Seguindo o protocolo, saio de casa já vestida com o dogi. Minha mochila parece minúscula diante da que eu levava anteriormente: uma garrafa de água, chinelos, máscara para fazer a troca e álcool em gel, além do Jo e do bokken.

Chego ao dojo e encontro 2 amigos na porta; o sensei aparece logo em seguida: “quanto tempo que a gente não se vê pessoalmente?!” Sensação estranha não abraçar essas pessoas… mas só de encontra-las ali ao vivo, é tão mais acolhedor! 🙂

Entramos após o sensei medir a nossa temperatura. Já na entrada seguimos as instruções passadas anteriormente pelo dojo. Sinto o “cheiro” do tatame assim que passo pela porta: uma mistura de ansiedade, felicidade e euforia tomam conta de mim! Uma alegria gostosa, daquelas que você tem quando é criança e ganha o presente que tanto esperava.

Estar ali depois de 5 meses é bom e ao mesmo tempo estranho: os treinos não serão iguais; não haverá contato (sabe-se lá por quanto tempo) e nossa prática será com um “parceiro imaginário”. Fico tensa só de pensar que talvez nem saiba mais “cair” como antes. Assim que piso no tatame, fico um tempo deitada, olhando para o teto, sentindo o “chão”, lembrando de quantos aprendizados eu recebi nesse lugar que tem um significado tão especial, quantos senseis me treinaram, me ajudaram a chegar até aqui e do quanto eu pude conviver com os amigos do aikido. Parece que agora a falta deles se faz ainda mais presente…

O espaço todo está demarcado e separado: estamos bem distantes uns dos outros. Cada espaço tem seu próprio “mop” para a limpeza final. Após higienizar minhas armas, fico em silêncio. Passo a mão pelo tatame: “olá!”. Depois de um tempo contemplando tudo, tomo coragem e arrisco uns rolamentos iniciais. “Opa, acho que ainda sei rolar!” Fico em pé e pratico mais alguns movimentos: pra trás, pra frente e ao bater a mão no chão para amaciar a queda, um arrepio toma conta do meu corpo: “tô de volta!”.

Já tinha ficado sem treinar por alguns curtos períodos, quando me machucava. Mas sempre passava no dojo para assistir aos treinos, fazer anotações, dar um oi para os amigos. Tudo isso que aconteceu neste ano de 2020 só serviu para reforçar o sentimento de amor e carinho que tenho pelo aikido e do quanto essa prática me faz bem em vários sentidos: os problemas não entram no tatame com você – até pode pensar neles ou estar num dia mais sensível, mas depois de um tempo seu olhar é só sobre você e seu treino. Você se desafia o tempo todo, tentando realizar movimentos que não conseguia anteriormente e pouco a pouco toma coragem para melhorar. Você se reconecta com o chão: cai, levanta, se apoia, deita, rola. Coisas que talvez você só tenha feito quando criança e que quando a gente cresce, esquece. E quando aparece essa possibilidade novamente, você rejuvenesce, ri, vira criança de novo. E é bom demais se descobrir vivo! Cheio de possibilidades e energia! (Valeu Ricardo Neves por essa reflexão com o chão!) ;-)

Durante o isolamento, mantive minhas práticas online com meu mestre. Mulheres no Tatame em parceria com uma amiga aikidoka, Dresler Aguilera, organizou dois bate papos online sobre o “Impacto do Aikido” e além disso participei de vários seminários com senseis que não conhecia e pude ter o privilégio de conversar e até de encontrar em outros eventos online.

Tudo isso só acrescentou conhecimento ao meu aikido, mas confesso que nada se compara a pisar novamente no tatame. Estar lá, mesmo sem contato físico, ainda é, com certeza, melhor do que treinar em casa e essa sensação começa quando você coloca o dogi, amarra a faixa e segue para o dojo.

Quatro anos atrás, publiquei nas minhas redes sociais um texto sobre o que sentimos ao pisar em um tatame (uma parte dele é de um autor desconhecido), e cabe muito bem aqui neste post, que compartilho com vocês novamente!

” Após pisar em um tatame, você o amará como ama a sua própria vida e trocará tudo e todos para treinar e se sentirá confortado com isso. Seus joelhos, seus ombros, braços, punhos, pernas e pescoço doerão e nunca mais serão os mesmos.

Num dia você se sente impossível; no outro você é ninguém e mesmo assim, você continuará entrando, dia após dia, naquele dojo. E daí se você se machuca? Ali você é feliz; ali os problemas são esquecidos e deixados do lado de fora, você é igual a todos. Os fracos não entram. Você está cercado por guerreiros, que assim como você morreriam em pé, mas nunca viveriam uma vida de joelhos.

Poucas coisas se comparam ao prazer de quando você está treinando. Feliz estou mesmo quando sem aguentar dar mais um passo, ainda assim, olho meu parceiro e penso: Que bom estar aqui com você!”

Volto pra casa feliz! Com a certeza de que vou praticar aikido por muito tempo ainda! 🙂

Obrigada pela leitura! Se puder, divulguem! 😉

Fiquem bem! Voltem quando puder! Saudades de todos! Domo arigatou! 😉

Novo protocolo

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